quinta-feira, 1 de agosto de 2013

A lei como fonte do Direito Administrativo
ELYESLEY SILVA DO NASCIMENTO é professor, advogado, servidor da Câmara dos Deputados e autor de livros.
O Direito Administrativo, como disciplina autônoma das Ciências Jurídicas, abebera-se primordialmente em cinco fontes: lei, jurisprudência, doutrina, costumes e princípios gerais do direito. Dentre estas, trataremos da lei.
Quando se emprega o vocábulo "lei" em referência às fontes do Direito Administrativo, corre-se um risco saudável de restringir ou ampliar indevidamente o objeto de estudo. Isso porque a expressão "lei" pode ser tomada em sentido formal ou sentido material.
Em sentido formal, entende-se por lei toda norma que seja produzida em atenção ao processo legislativo previsto nos arts. 49 a 59 da Constituição Federal. Assim, uma norma que tenha respeitado o comando constitucional acerca da iniciativa, do quórum de aprovação, da revisão, da sanção/veto, dentre outros critérios, pode ser considerada lei em sentido formal, não importando o conteúdo que veicule.
Nessa ótica, tanto a Lei nº 8.112, de 11 dezembro de 1990 (Institui o regime jurídico dos servidores públicos federais), quanto a Lei nº 12.724, de 16 de outubro de 2012 (Confere ao Município de Sorriso, no Estado de Mato Grosso, o título de Capital Nacional do Agronegócio) podem ser consideradas lei em sentido formal.
Por outro lado, a Instrução Normativa nº 1.333, de 19 de fevereiro de 2013, da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), que trata acerca do cálculo do imposto de renda na fonte de pessoa física no ano-calendário de 2012, não pode ser considerada lei em sentido formal, pois sua elaboração ocorreu no âmbito interno da SRFB, estando completamente à margem do processo legislativo constitucional.
Vê-se, portanto, que a ideia central da classificação da lei em sentido formal é a "forma", o rito, o processo pelo qual a norma passa para ser produzida. Com efeito, nesse prisma, em nada interfere o conteúdo da norma.
Por outro lado, tem-se a lei em sentido material. Aqui, já não mais se investiga o processo pelo qual a norma foi editada. Em verdade, este pouco importa. O que se tem em alta consideração é a matéria de que trata a norma, o assunto nela veiculado.
 
Nessa concepção, lei em sentido material é toda norma de caráter geral e abstrato que disciplina as relações jurídicas entre os sujeitos de direito.
O caráter geral se refere à aplicação da norma a um número indeterminado, desconhecido, de indivíduos. O legislador não pode saber com exatidão os sujeitos que serão atingidos pela norma.
 
O caráter abstrato, por sua vez, reflete-se na ideia de que a lei é um comando que tende a se repetir sucessivas vezes, sempre que se configurar, no mundo real, a situação hipotética prevista na norma. Observe que não se trata de um evento certo, concreto, que irá ocorrer e pronto: a norma esgotará seus efeitos. Ao contrário, a norma terá, provavelmente, sucessivas aplicações.
Desse modo, utilizando os mesmos exemplos, podemos considerar a Lei nº 8.112/90 lei em sentido material, pois possui caráter geral (não se pode afirmar nominalmente quais são os indivíduos que se tornarão servidores e serão atingidos, pois, pela norma) e abstrato (os comandos desta lei são abstratos e se repetem continuamente, a exemplo da demissão de servidores por improbidade administrativa ) que disciplina relação jurídica entre sujeitos de direito (Estado e servidor público).
Da mesma forma, a IN nº 1.333/13 da SRFB também pode ser considerada lei em sentido material, posto que apresenta caráter geral (não se pode conhecer, de antemão, quais contribuintes declararão o imposto de renda) e abstrato (a declaração de imposto de renda é uma mera hipótese, pois incide apenas quando o indivíduo recebe rendimentos dentro de certa margem de valores), regulando relação jurídica entre o Fisco e o contribuinte.
De outra parte, a Lei nº 12.724/12, que confere ao município de Sorriso/MT o título de Capital Nacional do Agronegócio não pode ser considerada lei em sentido material, pois não é geral (atinge um sujeito certo: o município, pessoa jurídica de direito público) tampouco abstrato (trata-se de um evento certo: denominar o município; e não uma mera hipótese que poderá, ou não, se repetir futuramente).
Fazendo a junção do que já aprendemos, pode-se fazer as seguintes conclusões: a Lei nº 8.112/90 é lei tanto em sentido formal quanto em sentido material (simultaneamente), a Lei nº 12.724/12 é lei exclusivamente em sentido formal e a IN nº 1.333/13 é lei exclusivamente em sentido material.
Expostos os sentidos em que se pode tomar a expressão "lei", retomemos o título deste artigo para afirmar que a lei é, indubitavelmente, fonte do Direito Administrativo. Mas não qualquer lei! Estamos a tratar apenas da lei em sentido material, independentemente de ser exclusivamente em sentido material ou em sentido material e formal simultaneamente.
 
O que se quer deixar de fora como fonte do Direito Administrativo é a lei em sentido exclusivamente formal, pois esta só é lei em razão do rito legislativo exigido para sua produção. Mas, quanto ao conteúdo, é mero ato administrativo concreto. E este não é fonte do direito, mas simples via de ação jurídica da Administração Pública.



Referência bibliográfica
NASCIMENTO, Elyesley Silva do. Curso de Direito Administrativo. Niterói, RJ: Impetus, 2013.

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